PREFÁCIO DO AUTOR
Como as coincidências se juntam estranhamente!
Muitas, muitas vezes, damos com uma palavra ou com um
pensamento que estavam havia muito ausentes de nós, e de
repente descobrimos que eles ecoaram de novo, duas ou três
vezes, num intervalo de poucos dias. Há muitos anos acariciei
a idéia de escrever um livro sobre mantras, e depois a
descartei. Senti que não seria correto expor assuntos
sagrados a um possível menoscabo ou, levianamente, pôr de
lado as salvaguardas com as quais o conhecimento mântrico
havia sido preservado da profanação durante séculos. De
poucos anos para cá, entretanto, as circunstâncias se
alteraram. O interesse pela sabedoria do Oriente, que
milhares de jovens do Ocidente agora demonstram, é genuíno
e não desprovido de reverência; ao contrário de seus
antecessores e antepassados, eles não menosprezam o que é
misterioso, simplesmente por não estar de acordo com as
categorias do pensamento científico ocidental. Esta mudança
de atitude merece e recebeu uma calorosa resposta; hoje em
dia, até os mais conservadores guardiões das tradições
orientais estão inclinados a abrandar o rigor das antigas
salvaguardas, devido à compaixão por aqueles cujo desejo de
sabedoria é sincero, e que se acham impossibilitados de
viajar para longe de seu chão a fim de sentar-se aos pés dos
sábios durante anos infindáveis. Havia pouco, uma série de
incidentes me fizera ponderar de novo sobre as implicações
dessa modificação, quando chegou uma carta de um autor,
eminente autoridade sobre budismo chinês, Lu K'uan-yü
(Charles Luk), insistindo comigo para que me dispusesse a
escrever exatamente a espécie de trabalho que eu tivera em
mente.
Minha primeira reação foi de cautela. Respondi que me
sentia hesitante devido aos votos de samaya, que prescrevem
discrição quanto a todo conhecimento que se obtém através
da iniciação tântrica; pois, apesar de meu lama, o Venerável
Dodrup Chen, haver-me dado permissão para escrever
qualquer coisa que me parecesse adequada, sinto natural
relutância em tomar decisões sobre tal matéria. Depois
chegou nova carta de Lu K'uan-yü, com a mesma finalidade
da primeira. Após ponderar sobre essa sugestão, aceitei-a,
mas com uma auto-imposição: decidi limitar-me a falar de
mantras que, já tendo sido publicados, deviam certamente
ser conhecidos (e talvez mal compreendidos) pelos nãoiniciados.
Desta maneira, eu esperava evitar revelações não
recomendáveis e, ao mesmo tempo, esclarecer algumas
concepções provavelmente errôneas.
Seguindo a linha geral que eu havia dado aos meus
livros anteriores sobre assuntos similares, comecei pelo que,
para mim, era o começo, relatando mais ou menos
cronologicamente meus encontros iniciais com a prática
mântrica. Por isso, os dois ou três primeiros capítulos não
têm profundidade, mas espero que sejam considerados
interessantes. Os leitores que, até aqui, consideram os
mantras como mágicos ou conversa fiada descobrirão que foi
quase essa a minha atitude no início, apesar de a fé na
sabedoria dos meus amigos chineses me impedir de trancar a
mente contra o que parecesse tolice. Espero conseguir
despertar reverência pelas artes mântricas, e pela crença em
sua validade, exatamente como foram despertadas em mim —
passo a passo.
Gostaria de enfatizar que cheguei aos mantras por
acaso, e não por decisão própria. Apesar de meu interesse por
eles ser perfeitamente sincero, não busquei conhecimentos
mântricos, e o que adquiri foi incidental na minha procura de
iogues através dos quais conseguisse a Iluminação, da qual
os mantras algumas vezes fazem parte. Tive muita sorte ao
encontrar homens de sabedoria e verdadeira santidade, tanto
chineses quanto tibetanos, muitos dos quais versados em
erudição mântrica, mas estou longe de dominar o assunto. 0
fato de ter ousado escrever sobre isso não é porque eu saiba
muito, mas porque muitos outros, que não tiveram as
oportunidades que eu tive, talvez saibam menos ainda. Até
esta data — tal como o leitor descobrirá ao final — existem
aspectos dos mantras que permanecem tão misteriosos para
mim quanto antes. Geralmente, divido os mantras em três
categorias, das quais só me sinto capaz de falar com ligeira
autoridade sobre-a primeira:
1— Mantras usados na contemplação iogue, maravilhosos
mas não miraculosos.
2— Mantras com efeitos aparentemente miraculosos.
3— Mantras que, se tudo quanto se afirma a seu respeito for
válido, devem provisoriamente ser julgados capazes de agir
miraculosamente, ao menos até que a forma de sua ação seja
melhor compreendida.
A maior parte do que se segue aos dois ou três capítulos
introdutórios concerne à contemplação iogue. Apesar de ser
considerado o menos espetacular aspecto dos mantras, este é
o único de importância definitiva. Estou grato a Lu K'uan-yü
por seu encorajamento, ao Lama Anagarika Govinda por uma
carta que, em conjunto com suas obras publicadas,
solucionou vários problemas para mim; ao meu bom amigo
Gerald Yorke pela informação sobre a teoria hindu do poder
mântrico, assim como de várias práticas ocidentais análogas
ao uso dos mantras; e a dom Sylvester Houédard, da
Prinknash Abbey, pelas volumosas notas eruditas das quais
extraí minhas referências à Prece de Jesus1 e ao Ismu'z at dos
Sufis.
John Blofeld, A Casa do Vento e da Nuvem
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